segunda-feira, 27 de maio de 2013

Metabólitos secundários (Parte 2)


Na técnica de cultura de tecidos são várias as abordagens possíveis para a produção de metabólitos secundários.

A cultura de células e suspensões celulares foram muito utilizadas nos primeiros estudos para produção in vitro, porém problemas relacionados a produção em larga escala e a instabilidade celular acabaram reduzindo a aplicação dessa metodologia. A cultura de raízes, especialmente raízes transformadas, tem sido considerada como a mais promissora por apresentar um bom crescimento in vitro e por ser um órgão normalmente associado a produção desses metabólitos. A cultura de tecidos com maior grau de diferenciação apresenta a vantagem por possibilitar trabalhar com um tecido organizado, com uma menor competição entre o metabolismo primário e o secundário, além da produção de alguns compostos, em alguns casos, ocorrerem apenas em órgão diferenciados.

                    Fig 1 - Produção de gengibre (Zingiber officinale) em biorreatores (Paek et al. 2006)

A cultura de células e tecidos de muitas espécies de plantas tem produzido  também compostos que não foram isolados originalmente nas plantas intactas. Esses resultados representam uma oportunidade valiosa de investigar novos e inéditos compostos. O ambiente in vitro tradicional, por ser uma condição atípica ao desenvolvimento vegetal, pode resultar em alterações na parte funcional de genes que são expressos devido a estímulos químicos e físicos em que a cultura fica exposta, alterando o metabolismo primário e levando a produção de diferentes metabólitos secundários.

O acúmulo de compostos voláteis tais como etileno e óxido nítrico, nas condições in vitro, podem resultar em respostas fisiológicas diferenciadas. Em revisão realizada por Zhang et al. (2012) vários estudos observaram que o óxido nítrico pode atuar como elicitor na biossíntese in vitro de metabólitos secundários, como saponinas, hipericinas, puerarinas, catarantina, artemisina e taxanos.

Uma abordagem visando o incremento da produção de metabólitos secundários refere-se a aplicação de elicitores e indutores de estresse, tais como jasmonatos, ácido salicílico e quitinases. Jasmonatos e ácido salicílico estão envolvidos nas rotas de transdução de sinalização em processos de regulação de genes de defesa em plantas.

Ressalta-se também que a presença de metabólitos secundários é maior em plântulas do que em plantas adultas, sendo uma estratégia para a sobrevivência nesses estádios. Como as plantas mantidas em cultura de tecidos mantém a juvenilidade, espera-se que a maior riqueza metabólica também seja observada no material in vitro.

Frequentemente observa-se uma correlação inversa entre a atividade metabólica primária e a produção de metabólitos secundários, ou seja, em tecidos que apresentam um rápido crescimento há um decréscimo na produção de metabólitos secundários. Porém, há também vários casos, dependendo da classe de metabólito em questão, em que acúmulo de produtos secundários e crescimento são diretamente relacionados.

Referências: 

Paek KY, Chakrabarty D, Hahn EJ (2005) Application of bioreactor systems for large scale production of horticultural and medicinal plants. In: Hvoslef-Eide AK, Preil W (eds) Liquid culture systems for in vitro plant propagation. Springer. The Netherlands. pp. 95-116.
Zhang B, Zheng LP, Wang JW (2012) Nitric oxide elicitation for secondary metabolite production in cultured plant cells. Applied Microbiology Biotechnology 93: 455-466.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Metabólitos secundários in vitro (parte 1)

Desde os primórdios, a humanidade tem se utilizado das plantas com uma função terapêutica. Esses compostos químicos produzidos pelas plantas constituem um amplo e diverso grupo conhecido como metabólitos secundários, e são de grande importância na indústria farmacêutica, perfumaria e de essências. Metabolitos secundários não são essenciais para o crescimento vegetal e são produzidos em pequenas quantidades, sendo em sua maioria acumulados em tecidos especializados, como tricomas em um distinto estádio de desenvolvimento, dificultando a extração, isolamento e purificação

Um fator de entrave à produção de metabólitos secundários é que esta é, em geral, baixa (menos que 1% da biomassa seca). Além disso, uma das principais queixas dos compradores refere-se a instabilidade na oferta, que ocorre em função das condições naturais a que estão sujeitas as espécies vegetais. Dependendo da espécie são necessários meses ou anos para obtenção da cultura no ponto para a produção. Para algumas espécies de plantas medicinais não há padrões de coleta, colheita, armazenagem e embalagem, o que impõe restrições à expansão do mercado. De fato, como os metabólitos secundários representam uma interface química entre as plantas e o ambiente circundante, sua síntese é freqüentemente afetada por condições ambientais.

Fig,1 - Esquema geral sobre o metabolismo secundário e as diferentes vias de biossíntese dos três grupos principais (Adaptado de Hartamann, 2007)

O emprego da técnica de cultura de tecidos vegetais trás vantagens para a produção de metabolitos secundários, especialmente no que se refere a produção em um ambiente controlado, independente das variações geográficas, sazonais e fatores climáticos. A possibilidade de um sistema definido de produção, com segurança de produção contínua, com qualidade e padrão uniforme; e alta velocidade de produção são vantagens associadas ao sistema de produção in vitro. Alguns entraves são existentes como a instabilidade das linhagens celulares, com culturas perdendo parcialmente ou totalmente sua habilidade de biossintetizar e acumular produtos secundários, além do lento crescimento e problemas de escala. As plantas mais citadas onde se tem obtido bons resultados com a cultura de tecidos são: Artemisia annua, Camptotheca acuminate, Catharanthus roseus, Discorea deltoidea, Mucuna hassjoo, Panax ginseng, Papaver somniferum, Ruta graveolens, Taxus spp. e Zingiber oficinale.

O ambiente in vitro tradicional, por ser uma condição atípica ao desenvolvimento vegetal, pode resultar em alterações na parte funcional de genes que ocorrem devido a estímulos químicos e físicos em que a cultura fica exposta, alterando o metabolismo primário e levando a produção de diferentes metabólitos secundários. A cultura de células e tecidos de muitas espécies de plantas tem produzido também compostos que não foram isolados originalmente nas plantas intactas. Esses resultados tem representado uma oportunidade valiosa de investigar novos e inéditos compostos.

Futuramente pode-se considerar que as plantas funcionarão como biofábricas de medicamentos, vacinas e proteínas recombinantes. 


Referências:
Hartmann T (2007) From waste products to ecochemicals: Fifty years research of plant secondary metabolism. Phytochemistry 68: 2831-2846.
Paul M, Ma JKC (2011) Plant-made pharmaceuticals: leading products and production platforms. Biotechnology and Applied Biochemistry 58: 58-67.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Sementes sintéticas

Sementes artificiais são uma aplicação prática da embriogênese somática.

Obtendo-se o embrião somático, com um desenvolvimento normal, passando pelos estádios globular, cordiforme e torpedo, o embrião pode ser envolto por substâncias que possibilitem o armazenamento por um longo período e que auxiliem durante a germinação e desenvolvimento da plântula.

Disponibilizo uma apresentação que ministrei ao projeto "Universidade aberta a terceira idade" pela Universidade de São Paulo (USP) - campus de São Paulo


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Pioneiros no Brasil

 A historia da cultura de tecidos de plantas no Brasil teve início pelas mãos de um fitopatologista manauara, pesquisador do Instituto Biológico de São Paulo.

Agesilau Antônio Bitancourt nasceu em 1899 e formou-se no Institut National Agronomique de France como Engenheiro Agrônomo e na Universidade de Paris, Sorbonne como “Licencié-ès-Sciences” e “Docteur-ès-Sciences”.

Foi o pioneiro no estudo das doenças dos citros no Brasil e na América Latina, pertencendo ao panteão dos grandes nomes do Instituto Biológico-SP, instituição pela qual trabalhou por 38 anos.

Em 1952 criou o "Centro de Estudos do Cancer Vegetal" visando estudos sobre o câncer vegetal e os hormônios vegetais sobre a carcinogênese. Neste período, se tinha a falsa ideia de que os canceres vegetais e os animais decorriam dos mesmos fatores. Foi no Centro de Estudos do Cancer Vegetal que foram realizados os primeiros experimentos com culturas de tecidos vegetais no Brasil, estudando a multiplicação de calos e os efeitos das auxinas.

Agesilau Bitancourt foi homenageado durante a criação da "Associação Brasileira de Cultura de Tecidos de Plantas" - ABCTP pelo seu pioneirismo.


Falando-se em ABCTP, outra figura pioneira é o prof. Otto Jesu Crocomo da Universidade de São Paulo, primeiro presidente da associação.

Seus primeiros trabalhos foram na década de 70, quando a cultura de tecidos vegetais passou a dar seus primeiros passos de modo mais consistente, e teve início um corpo crítico de pesquisadores brasileiros.







domingo, 2 de setembro de 2012

Embriogênese somática

Produzir sementes em qualquer época do ano, na quantidade desejada, com a certeza do potencial genético de sua planta. Pode parecer um sonho mas pode ser real por meio da cultura de tecidos.

A embriogênese somática consiste na formação de um embrião, sem que haja fecundação e a partir de células somáticas (células não reprodutivas), sendo este embrião semelhante ao produzido na embriogênese zigótica.

Primeiramente devemos recapitular como se forma um embrião zigótico.

A embriogênese é uma das etapas mais importantes no ciclo de vida das plantas. O processo se inicia com a dupla fertilização, em angiospermas, seguido pela determinação dos três eixos embrionários (longitudinal, lateral e radial), e uma sequência de alterações na morfologia do embrião, passando pelos estádios globular, cordiforme, torpedo e cotiledonar. Posteriormente, proteínas de reserva são acumuladas no embrião. Algumas espécies, no caso da maioria das plantas cultivadas,passam pelo processo de desidratação e entram em dormência. Os processos que ocorrem ao longo da embriogênese são regulados por numerosos fatores, incluindo fitormônios, enzimas e outras substâncias importantes para esta rota morfogenética. 

A embriogênese somática é portanto um processo análogo à embriogênese zigótica. Esse processo envolve uma série de estádios de desenvolvimento, que se aproximam da seqüência de eventos observados na embriogênese zigótica. As similaridades entre os dois processos envolvem aspectos morfológicos, bioquímicos e moleculares, incluindo a expressão protéica, gênica e diferentes metabólitos. Em virtude dessas similaridades, vários estudos têm buscado marcadores comuns dos diferentes estádios do desenvolvimento da embriogênese somática e zigótica .

O uso da embriogênese somática é ainda mais salutar para espécies arbóreas que demoram para atingir a maturidade, possuem um ciclo longo de produção da semente, sendo este bem irregular. Destacam-se as
altas taxas de multiplicação clonal, o desenvolvimento dos meristemas caulinares e radiculares simultaneamente, a possibilidade de produção em larga escala em biorreatores, síntese de metabólicos secundários, e a produção de sementes sintéticas, apropriadas para a criopreservação.

Sequencia do desenvolvimento do embrião somático em Passiflora cincinnata (Rocha et al. 2011)

REFERÊNCIAS:

Rocha DI, Vieira LM, Tanaka FAO, Silva LC, Otoni WC (2011). Somatica embryogenesis of wild passion fruit species Passiflora cincinnata Masters: histocytological and histochemical evidences. Protoplasma DOI 10.1007/s00709-011-0318-x

domingo, 26 de agosto de 2012

Meios de cultura e um campeão de citações


Nas condições in vitro todos os fatores requeridos para o desenvolvimento das plantas devem ser suplementados pelo meio de cultura. Ele deve prover todos os macro e micronutrientes, vitaminas, hormônios e a fonte de carbono, uma vez que as condições tradicionais de cultura de tecidos não permitem uma fotossintese ativa por parte dos explantes.


Desde os primórdios da cultura de tecidos, o estabelecimento de meios de cultura que atendessem as exigências de um determinado tecido e grau de diferenciação foram estudados. Os meios de cultura formulados por White foram os primeiros a apresentarem uma composição mais completa e que atendia mais plenamente a vários tecidos e orgãos in vitro. Porém em 1962 foi proposto o meio de cultura mais conhecido e utilizado em mais de 90% dos trabalhos in vitro. O famoso MS proposto por Murashige e Skoog publicado na Physiologia Plantarum relatava o desenvolvimento de um meio de cultura para células de medula de tabaco e foi extremamente criterioso na seleção das diferentes fontes de macro e micronutrientes. O fato de terem trabalhado com o tabaco, uma espécie com uma alta demanda nutricional, acabou permitindo o alto grau de aplicação do meio MS para diferentes espécies. O artigo de Murashige e Skoog é considerando um dos mais citados em ciências biológicas.

Ao meio de cultura também deve ser ressaltada a qualidade da água utilizada, o emprego de agentes gelificantes, o uso de substâncias complexas (tais como água de coco e extrato de leveduras), o pH e a forma de esterilização. Cada um destes aspectos será analisado separadamente em um post específico.


Murashige T, Skoog KF (1962) A Revised Medium for Rapid Growth and Bio Assays with Tobacco Tissue Cultures. Physiologia Plantarum, 15: 473-497.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Skoog e Miller - A pedra angular da cultura de tecidos

O balanço entre auxinas e citocininas é o fator preponderante na definição da rota morfogênica. Esta afirmação foi um divisor de águas na história da cultura de tecidos de plantas. Em 1957, quando Folke Skoog e Carlos Miller trabalhando com medula de tabaco publicaram seu estudo "Chemical regulation of growth and organ formation in plant tissue cultured", um novo panorama se abriu. Anteriormente os pesquisadores lutavam e se limitavam a trabalhar com calos ou trabalhavam com meristemas pré formados ou contavam com a sorte para morfogênese. A partir desta publicação se estabeleceu um parâmetro para a indução da morfogênese in vitro.

A base para esta conclusão foi alicerçada anteriormente em 1954, quando Miller identificou a primeira citocinina, a cinetina.

Skoog e Miller observaram que quando o balanço auxinas:citocininas era semelhante, havia a formação de calos; quando a concentração de auxinas era superior a de citocininas, induzia-se a formação de raízes, enquanto quando a concentração de citocininas era superior a de auxinas, ocorria a formação de parte aérea.


Entretanto nem tudo é tão perfeito quanto parece. O grande problema, em termos práticos, para esta afirmação é que para a maioria dos casos, não se tem conhecimento acerca dos níveis endógenos de auxinas e citocininas, bem como a sensitividade dos tecidos e orgãos em estudo.

De toda maneira, a partir de 1957, com os estudos de Skoog e Miller, a cultura de tecidos vegetais ganhou maior fôlego e progrediu mais rapidamente.